![]() ![]() Levar EEG para a floresta do Acre, por exemplo, não resolveria todos os problemas. O desafio final seria, assim, entender a relação entre bem-estar da comunidade e ecologia e como isso pode ser traduzido num conceito ocidental de saúde integrada.”Īs reações dos poucos a criticar abertamente o texto e suas ideias grandiosas podem ser resumidas num velho dito maldoso da academia: há coisas boas e novas no artigo, mas as coisas boas não são novas e as coisas novas não são boas. “É particularmente notável que a biomedicina se aventure agora em conceitos como ‘conexão’ e ‘identificação com a natureza’ como efeito de psicodélicos, mais uma vez, portanto, se aproximando de conclusões epistêmicas derivadas de práticas xamânicas. “A iniciativa de levar ciência biomédica à floresta pode ser criticada como uma tentativa de medicalizar o xamanismo, mas também pode constituir uma possibilidade de diálogo intercultural centrado na inovação e na resolução de ‘redes de problemas’.” “A complementaridade entre antropologia, psicanálise e psiquiatria é um dos desafios da etnopsiquiatria”, escrevem Schenberg e Gerber. Uma atitude mais ética de pesquisadores implicaria reconhecer essa contribuição, desenvolver protocolos de pesquisa com participação indígena, registrar coautoria em publicações científicas, reconhecer propriedade intelectual e repartir eventuais lucros com tratamentos e patentes. Mais ainda, estariam ao mesmo tempo se apropriando e desrespeitando esse conhecimento tradicional. Ao ignorá-los, cientistas estariam desprezando tudo o que os indígenas sabem sobre uso seguro e coletivo da substância. A precisão é ilusória, afirmam, com base no erro de um artigo que cita concentração de 0,8 mg/ml de DMT e depois fala em 0,08 mg/ml.Ī sanitização cultural do setting, por seu lado, faria pouco caso dos elementos contextuais (floresta, cânticos, cosmologia, rapé, danças, xamãs) que para povos como os Huni Kuin são indissociáveis do que a ayahuasca tem a oferecer e ensinar. Outro ponto criticado por eles está na descontextualização e no reducionismo de experimentos realizados em hospitais ou laboratórios, com o paciente cercado de aparelhos e submetido a doses fixadas em miligramas por quilo de peso. Isso aniquilaria o valor supremo atribuído a estudos desse tipo no campo psicodélico e na biomedicina em geral. Mas outras substâncias psicodélicas, como MDMA e psilocibina, estão mais próximas de obter reconhecimento de reguladores como medicamentos psiquiátricos.ĭado o efeito óbvio de substâncias como a ayahuasca na mente e no comportamento da pessoa, argumentam Schenberg e Gerber, o sistema duplo-cego (padrão ouro de ensaios biomédicos) ficaria inviabilizado: tanto o voluntário quanto o experimentador quase sempre sabem se o primeiro tomou um composto ativo ou não. O potencial antidepressivo da dimetiltriptamina (DMT), principal composto psicoativo do chá, está no foco também de pesquisadores de outros países. ![]() Procurados, cientistas e colaboradores desses grupos não responderam ou preferiram não se pronunciar. Os autores Eduardo Ekman Schenberg, do Instituto Phaneros, e Konstantin Gerber, da PUC-SP, questionam a autoridade da ciência com base na dificuldade de empregar placebo em experimentos com psicodélicos, na ênfase dada a aspectos moleculares e no mal avaliado peso do contexto ( setting) para a segurança do uso, quesito em que cientistas teriam muito a aprender com indígenas.Įntre os alvos das críticas figuram pesquisas empreendidas na última década pelos grupos de Jaime Hallak na USP de Ribeirão Preto e de Dráulio de Araújo no Instituto do Cérebro da UFRN, em particular sobre efeito da ayahuasca na depressão. Desde a publicação, em 6 de janeiro, o texto gerou mais calor que luz –mesmo porque tem sido criticado fora das vistas do público, não às claras. O título do artigo no periódico Transcultural Psychiatry prometia: “Superando Injustiças Epistêmicas no Estudo Biomédico da Ayahuasca – No Rumo de Regulamentação Ética e Sustentável”. O resultado mais palpável da iniciativa, até aqui, apareceu num controverso texto sobre ética, e não dados, de pesquisa. ![]() No programa, uma tentativa de diminuir o fosso entre saberes tradicionais sobre uso da ayahuasca e a consagração do chá pelo chamado renascimento psicodélico para a ciência. Um membro do povo Huni Kuin sopra rapé na narina do branco, que traz nas costas mochila com aparelhos portáteis para registrar suas ondas cerebrais.Ī Expedition Neuron aconteceu em abril de 2019, em Santa Rosa do Purus (AC). A cena tem algo de surreal: pesquisador europeu com o corpo tomado por grafismos indígenas tem na cabeça um gorro com dezenas de eletrodos para eletroencefalografia (EEG).
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